PRAZO DE GARANTIA NOS CONTRATOS PÚBLICOS
- José Carlos Marques Durão
- 9 de jun. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 20 de jun. de 2022
O prazo de garantia previsto no n.º 5 do art.º 444.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) tem suscitado algumas dúvidas, sobretudo após a entrada em vigor (no dia 01-01-2022) do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro. A situação presta-se a dissídios interpretativos.
Aprofundei a situação confrontando o regime do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, com o previsto nas Diretivas que transpôs: Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770, e o estabelecido no art.º 444.º do CCP. Constatei, no âmbito dessa análise, que o prazo de 3 anos não é imposto pela legislação comunitária, embora esta admita prazos mais longos, defende por regra os 2 anos. Vejamos, designadamente, os considerandos: (41), (56), (58), da DIRETIVA (UE) 2019/771 e DIRETIVA (UE) 2019/770, respetivamente:
"Tendo em conta que, na aplicação da Diretiva 1999/44/CE, a grande maioria dos Estados-Membros previu um período de dois anos e, na prática, este é considerado pelos participantes no mercado como um período razoável, esse período deverá ser mantido. A fim de assegurar flexibilidade para que os Estados-Membros aumentem o nível de proteção dos consumidores no seu direito nacional, os Estados-Membros deverão ser livres de fixar prazos mais longos para a responsabilidade do vendedor do que os prazos estabelecidos na presente diretiva."
"(...) os Estados-Membros deverão assegurar que o profissional é responsável por um mínimo de dois anos a contar da data do fornecimento (...)".
"Os Estados-Membros deverão continuar a ser livres de regular os prazos de prescrição nacionais.".
E, neste contexto, o prazo de 2 anos está previsto, nomeadamente, no art.º 10.º e art.º 11.º, das sobreditas Diretivas. Insisto, não há qualquer referência ao prazo de 3 anos. Foi iniciativa do legislador nacional adotar um prazo mais longo no regime do Decreto-Lei n.º 84/2021.
Todavia, no n.º 5 do art.º 444.º do CCP, o legislador fixou um prazo especial para vigorar no âmbito dos contratos administrativos – estabeleceu um limite de 2 anos - quando se trate de aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos.
Pretendeu o legislador nacional, no n.º 5 do art.º 444.º do CCP, acomodar o prazo de garantia à proteção mínima (2 anos) previsto pelo legislador comunitário, in casu, na Diretiva 1999/44/CE, transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril. Este facto surge evidenciado no preâmbulo do diploma quando aborda os motivos da transposição: “(…) tem por objectivo a aproximação das disposições dos Estados membros da União Europeia sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.”. (sublinhado e negrito meus). Aquele limite mínimo obrigatório de 2 anos mantém-se nas Diretivas agora transpostas pelo Decreto-Lei n.º 84/2021.
No direito comparado, o limite dos dois anos, é prática corrente.
O n.º 5, do art.º 444.º, do CCP, foi construído para responder às exigências do direito comunitário. O prazo de 2 anos cumpre exatamente esse objetivo. Continua incólume o inicialmente gizado e, por isso, não existe diminuição do nível de proteção.
O legislador sabe (não podia ignorar) que o uso profissional (em que a intensidade e o desgaste são superiores) não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 84/2021 - que visa uso não profissional (privado/pessoal/doméstico). Por conseguinte, ao definir no CCP um prazo de 2 anos considerou-o adequado. Fê-lo de forma consciente e deliberada.
Em síntese, julgo que fica claro o sentido ou o espírito da lei e a justificação do prazo de garantia especial plasmado no CCP. Não vislumbro razões para equacionar a sua alteração.
A jurisprudência recente abordou a matéria, através do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo: 1713/21.9 BELSB, de 19-05-2022.
RESUMO DO ACÓRDÃO
"A apresentação de proposta na qual o concorrente refere que o prazo de garantia dos bens a fornecer é de um ano contende com o previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de abril (entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro), e implica a sua exclusão, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 2, als. b) e f), do CCP.
Como se assinala na decisão recorrida, o contrato objeto do concurso em causa nestes autos é um contrato de aquisição de bens móveis, ao qual é aplicável a lei que disciplina os aspetos relativos à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas no que respeita à responsabilidade e obrigações do fornecedor e do produtor e aos direitos do consumidor, cf. artigo 444.º, n.º 1, do CCP
Era-lhe, pois, aplicável o Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, exigindo o respetivo artigo 5.º, n.º 1, um prazo de garantia de dois anos a contar da entrega do bem, tratando-se de coisa móvel (diploma entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2022, e manteve este prazo de garantia).
Destarte, não obstante o regime do Decreto-Lei n.º 84/2021, inclino-me, também, para a aplicabilidade do prazo específico previsto no n.º 5 do art.º 444.º do CCP.
No domínio das suas competências, o IMPIC e a Direção Geral do Consumidor, poderão clarificar a situação, ajudando o mercado.
PARA CITAR O ARTIGO:
“Prazo de garantia nos contratos públicos” - DURÃO, José Carlos Marques, publicado em 9 de junho de 2022, disponível no endereço: https://mjosecarlos.wixsite.com/meusite