O CRITÉRIO DE DESEMPATE E A LIGAÇÃO AO OBJETO DO CONTRATO
- José Carlos Marques Durão
- 4 de jun. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de jul. de 2023
Quando vemos o que existe e não está lá, lhe tocamos apenas com o pensamento, então tudo não passa de imaginação.
José Carlos Marques Durão
A Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, alterou o art.º 74.º do CCP que contém as regras relativas ao critério de adjudicação na formação dos contratos públicos, modificação que vai vigorar a partir do dia 20-06-2021.
Vou focar a minha análise no critério de desempate. Especialmente na regra da alínea b), n.º 5, do art.º 74.º, do CCP, que prevê o seguinte: “Quando seja adotada a modalidade multifator devem ser preferencialmente utilizados os respetivos fatores e subfatores densificadores, por ordem decrescente de ponderação relativa, sem prejuízo de outros que, nos termos do artigo seguinte, estejam ligados ao objeto do contrato a celebrar”.
Antecipando já as conclusões a que vou chegar, considero que a exigência do legislador (reforçada também no n.º 1 do art.º 75.º do CCP) de que o critério de desempate deve estar ligado ao objeto do contrato a celebrar, não motiva necessariamente à apresentação de melhores propostas.
Vejamos.
No desempate a utilização dos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, por ordem decrescente de ponderação relativa, não origina propostas mais vantajosas. O critério até podia ser a primeira letra do nome dos operadores económicos, pela ordem alfabética crescente - o resultado seria o mesmo.
Alguns dirão, com este método a empresa “Z…, Lda.” irá participar com o coração nas mãos. Dirão outros, mais tranquila e com probabilidades de vitória estará a empresa “A…Lda.”.
Aparentemente parece existir alguma vantagem. Que usando um tal critério favoreceria mais uns do que outros. Mas não é verdade. É mera ilusão. Se utilizarmos os fatores do critério de adjudicação por ordem decrescente de ponderação vemos que é exatamente o mesmo. A empresa “Z…, Lda.” deu o melhor que podia no primeiro fator e nos restantes. A empresa “A…, Lda.” fez o esforço máximo para apresentar os melhores atributos. Ou seja, o que influencia são as pontuações e os coeficientes de ponderação previstos para os fatores ou subfactores, no modelo de avaliação das propostas. O critério a utilizar no desempate não acrescenta nada: nem peso aos fatores nem valor às propostas. O desempate serve apenas para desfazer uma igualdade.
Quando os operadores económicos estão a elaborar as propostas não sabem o que vai na cabeça dos oponentes. Desconhecem os atributos das propostas dos adversários. E, portanto, não é muito relevante para a decisão dos operadores económicos, dizer que o desempate é com base nos fatores do critério de adjudicação.
Quem concorre irá fazê-lo para ganhar. O esforço competitivo centra-se no critério de adjudicação – no peso dos fatores. O melhor que podem oferecer as empresas (operadores económicos) é executado na fase da elaboração das propostas, com base no que existe e conhecem: o critério de adjudicação. É projetado neste que a performance das propostas atingi o máximo.
O desempate é uma fase posterior. E só participa nela os melhores desempenhos competitivos. E que serão as propostas que no conjunto dos fatores do critério de adjudicação conseguirem mais pontuação – a melhor performance.
Não vence a melhor das melhores propostas (porque valem o mesmo) como supostamente leva a crer as regras do critério de desempate. Desempatar é uma escolha aleatória. Ganha quem tiver mais sorte. (1) O critério de desempate, em função dos fatores do critério de adjudicação, é um estímulo inócuo. Surge num ambiente competitivo inexistente.
Admito, ainda assim, que o critério de desempate, associado aos fatores do critério de adjudicação, possa incutir algum ânimo. Funcionar em termos psicológicos. Sensibilizar os operadores económicos, predispondo-os a elevar os atributos das propostas.
Em síntese, exigir que o critério de desempate tenha ligação ao objeto do contrato, preferencialmente por via dos fatores e subfatores do critério de adjudicação, não tem consequências no comportamento dos operadores económicos, com reflexos nas propostas – a existirem são insignificantes. O critério de adjudicação, per si, garante o surgimento de propostas competitivas. O incentivo do critério de desempate deveria ser usado para ajudar em outras situações, nomeadamente, relacionadas com aspetos ambientais e sociais, assuntos muito badalados e fonte de tantas preocupações.
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(1) Sobre a natureza aleatória do critério de desempate, vide, também, a abordagem nos textos que escrevi (comentários) publicados no Sítio do Grupo de Contratos Públicos do CIDP, disponível no endereço:
PARA CITAR ESTE ARTIGO:
Durão, José Carlos Marques, “O CRITÉRIO DE DESEMPATE E A LIGAÇÃO AO OBJETO DO CONTRATO”, publicado em 4 de junho de 2021, disponível no endereço: https://mjosecarlos.wixsite.com/meusite/post/o-crit%C3%A9rio-de-desempate-e-a-liga%C3%A7%C3%A3o-ao-objeto-do-contrato