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MEDIDAS EXCECIONAIS NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA EM FRANÇA

  • Foto do escritor: José Carlos Marques Durão
    José Carlos Marques Durão
  • 27 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de mai. de 2020

Também a França, um dos países castigados pela epidemia de Covid-19, adotou, através da Ordonnance n° 2020-319 du 25 mars 2020, medidas excecionais no domínio da contratação pública, para acudir à crise sanitária.


Do regime objeto do ato legislativo gaulês abordo três temas que julgo merecedores de reflexão, confrontando com o que foi decretado em Portugal, concretamente: i) prazos procedimentais, ii) adiantamento do preço contratual, iii) dificuldades na execução do contrato.


Começando pelos prazos procedimentais, no art.º 2.º da Ordonnance, é conferida discricionariedade às entidades adjudicantes para prolongar o prazo de apresentação das propostas, nos procedimentos adjudicatórios em curso. Todavia, a norma exceciona a situação de serviços que não podem ser adiados.


Discricionariedade quanto à fixação do prazo (dimensão deste), que deverá ser estendido por uma duração suficiente. No que tange à iniciativa, existe um dever legal de fixar o prazo (mesmo não tendo sido solicitado) para viabilizar a apresentação das propostas por parte dos operadores económicos. (1)


Em Portugal o regime excecional, vertido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, e na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, não previu uma solução idêntica, pelo contrário, consagra um regime de suspensão de prazos, que na opinião de João Amaral e Almeida, pode condicionar a apresentação de propostas nos procedimentos de contratação pública, por isso defende, este professor da Católica, a necessidade de uma alteração legislativa. (2)


E, voltando à prorrogação do prazo imposta pelo legislador francês, no cotejo com o nosso regime geral do CCP (art.º 64.º), constatamos que este não responde em termos similares. Embora, com algum esforço exegético, possamos, no art.º 63.º do CCP, encontrar fundamento para as entidades adjudicantes tomarem a iniciativa de prorrogarem o prazo para apresentação das propostas. (3) Neste contexto, aceita-se, em certa medida, o gizado na norma francesa. Pois, num clima de urgência e de múltiplos constrangimentos, é compreensível, pode fazer toda a diferença, que a decisão de prolongar o prazo para apresentação das propostas deva partir logo da entidade adjudicante – sob pena dos procedimentos ficarem desertos.


Debruço-me, agora, sobre o adiantamento do preço contratual, previsto no art.º 5.º da Portaria francesa. De acordo com esta norma, podem ser feitas modificações às condições de pagamento envolvendo adiantamentos superiores a 60% do valor do contrato, e não é exigível garantia para adiantamentos superiores a 30% do valor do contrato - adiantar pagamentos é apenas uma faculdade concedida.


Em Portugal o n.º 6 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, dispensa os pressupostos previstos no artigo 292.º do CCP. Supostamente fomos mais generosos que em França. Isto na perspetiva de ser possível, durante a fase de execução contratual, adiantamentos de preços superior a 30% do preço contratual (discutível, a meu ver), e considerando que está dispensada a prestação de caução, nos termos previstos na alínea b) n.º 1 do art.º 292.º do CCP. (4)


Por último, no caso de dificuldades na execução do contrato, o regime francês pende para um apoio musculado aos cocontratantes, no art.º 6.º da Ordonnance n° 2020-319, destaco as seguintes disposições: i) o prolongamento do contrato a pedido do cocontratante; ii) a falta de meios suficientes ou mobilização dispendiosa dos mesmos para o cocontratante poder cumprir o contrato, proíbe a aplicação de sanções contratuais sobre aquele; iii) a incapacidade para o cocontratante cumprir o contrato permite ao contraente público (mesmo existindo cláusula de exclusividade) celebrar um contrato de substituição com terceiros para atender a necessidades que não podem ser adiadas, com a ressalva que a execução do contrato de substituição não pode ser realizada às custas e riscos do cocontratante; iv) existe ainda regras sobre indemnizações e compensações ao cocontratante, nomeadamente, em casos de cancelamento de pedidos de compra ou rescisão do contrato.


Na verdade, um regime protecionista, muito amigo do cocontratante. E o facto de estar expressamente previsto na lei, contemplando muitas situações que se irão colocar às entidades adjudicantes e operadores económicos - constitui uma vantagem para todos. Um bom exemplo, produzido pelo legislador francês.


Em Portugal, o regime excecional de contratação pública, é mais aligeirado. A aplicação da lei não será tarefa fácil. Mas o legislador poderá sempre intervir para melhorar.

________________

(1) Não pode a entidade adjudicante furtar-se a essa obrigação, olhando para o texto da norma: “(…) sont prolongés d'une durée suffisante, fixée par l'autorité contractante, pour permettre aux opérateurs économiques de présenter (…) soumissionner.”. (Cfr. art.º 2.º, in fine).


(2) Cfr. João Amaral e Almeida, in “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e os prazos nos procedimentos administrativos (em particular nos de contratação pública)” texto publicado e consultável no endereço: https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/


(3) Na doutrina portuguesa, a possibilidade das entidades adjudicantes oficiosamente prorrogarem o prazo para entrega das propostas, foi defendido, recentemente, por Diogo Duarte Campos/Joana Brandão/Carla Machado, in “Coronavírus: Consequências da declaração de situação de alerta na contratação pública, texto publicado no website da PLMJ - , no endereço: https://www.plmj.com/pt/conhecimento/notas-informativas/Coronavirus-Consequencias-da-declaracao-de-situacao-de-alerta-na-contratacao-publica/30604/


(4) Os Professores Pedro Gonçalves e Licínio Lopes Martins, referem-se ao adiantamento de preço como sendo uma faculdade excecional das entidades adjudicantes e da possibilidade destas, com base no n.º 6 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, antecipar pagamentos, com dispensa de todos os requisitos e formalidades estabelecidos no art.º 292.º do CCP. – Cfr. os citados autores, in “Breve comentário ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, ratificado pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março”, texto publicado no Observatório Almedina – O Mundo por Especialistas -, acessível no endereço: https://observatorio.almedina.net/

 
 
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