AS SANÇÕES PECUNIÁRIAS NO ÂMBITO DO BAD PAST PERFORMANCE
- José Carlos Marques Durão
- 2 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de fev. de 2022
Em abril de 2019, escrevi um texto relativo ao tema, com o título: "UM CASO DE BAD PAST PERFORMANCE – FOI EM ITÁLIA, PODIA SER EM PORTUGAL – QUID IURIS”.[1] Agora é no nosso país que o assunto surge.
Foi publicado o Acórdão do STA, Processo: 0807/19.5BELRA, de 18-02-2021, que incide sobre a situação de impedimento prevista na alínea l) do n.º 1 do art.º 55.º do CCP. Uma decisão inédita que irá agitar a contratação pública em Portugal. Difícil de tomar, reconheço, até porque a citada norma do CCP está longe de ser perfeita.[2]
Voltando ao aresto do STA. Não discuto se uma sanção pecuniária que exceda 20% do preço contratual não possa constituir motivo suficiente para fundamentar o impedimento. Levanto é a questão se uma sanção pecuniária só por si gera automaticamente uma situação de impedimento. Numa reflexão, que irei agora expor em breves linhas, chego a uma perspetiva diferente do proferido pelo venerando tribunal português.
Vejamos.
A aplicação de sanções contratuais assenta em ponderações casuísticas, num ambiente de discricionariedade (sobretudo para quem defende a sua aplicação facultativa).[3] Há, portanto, uma dimensão subjetiva que releva. Então, como conciliar a exclusão de uma proposta com base na subsunção automática ao pressuposto sanção pecuniária, contido na norma da alínea l) do n.º 1 do art.º 55.º, em conjugação com o n.º 2 do art.º 329.º, do CCP – onde sobressai aqui um âmbito de aplicação de natureza mais objetiva.
A aplicação de uma sanção pecuniária não é concomitantemente uma decisão de impedimento. Vejo com bons olhos a existência dois atos administrativos. Nos termos da alínea c), n.º 2, do art.º 146.º do CCP, o motivo de exclusão está fundamentado quando se verifica alguma situação de impedimento das previstas no artigo 55.º. Todavia, direcionando agora para o caso da alínea l), impõe-se, a meu ver, uma fundamentação autónoma ou específica. Não basta as razões da decisão da sanção pecuniária. A não ser assim, seria uma espécie de multa com sanção acessória. Além disso, seria justificar um impedimento com base apenas num aspeto relacionado com o regime das sanções contratuais. Ou seja, um requisito associado ao valor da sanção pecuniária - um outro ato administrativo.
Nem todos os contratos têm a mesma dimensão, complexidade e identidade. Vamos a exemplos: construir uma ponte Vasco da Gama não é pintar a parede de um prédio; prestar serviços de limpeza em 200 edifícios (e isto existe) não é equivalente a limpar uma sala de reuniões ou vender alguns produtos de higiene; servir 2000 refeições numa escola não é comparável à instalação de uma máquina de venda automática de alimentos na gare de Santa-Apolónia; executar serviços de assistência técnica a equipamentos informáticos no Hospital de Santa Maria não é igual a fornecer 10 computadores a um Município; construir um navio para a Marinha não é semelhante a fornecer algumas peças para um pequeno barco dos Bombeiros. Muitos outros exemplos podiam ser dados.
Considero possível delimitar os efeitos do impedimento ao tipo e características dos contratos vitimas da deficiente execução, com respaldo no princípio da proporcionalidade. A norma do art.º 55.º do CCP e as diretivas europeias dos contratos públicos não o proíbem.
Barrar a participação de um operador económico nos contratos públicos tem um impacto brutal a vários níveis. A concorrência é um dos princípios gerais da contratação pública, com tutela constitucional (art.º 1.º A – do CCP, n.º 1, segunda parte, do art.º 18.º Diretiva n.º 2014/24/UE e n.º 2 do art.º 201.º do CPA, alínea f) do art.º 81.º e alínea a) do art.º 99.º da CRP).
É um poder excecional a administração vedar o acesso aos mercados públicos. Só o poderá fazer nos termos do art.º 266.º da CRP.
Assim, afastaria a aplicação automática do impedimento. Defendo que a decisão deve ocorrer num âmbito de um procedimento administrativo. Desta forma, o particular poderá melhor defender-se. A propósito, acresce, que só perante uma decisão fundamentada da administração é possível reagir adequadamente através das medidas self-cleaning, nos termos do n.º 2, do art.º 55.º-A do CCP.
É necessário definir o objeto do impedimento, designadamente: quando começa e quando acaba; que contratos abrange; a quem se aplica. Sem concretizar o impedimento não é possível aplicá-lo.
Prevejo, depois desta decisão do STA, um aumento exponencial da litigância. Creio que do Palacete das Laranjeiras outros ventos poderão soprar no futuro.
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[1] Publicado no Sítio do Grupo de Contratos Públicos do CIDP, disponível no endereço: https://contratospublicos.net/2016/10/03/bad-past-performance/#comments
[2] Já abordei criticamente a sua redação – Cfr. o meu Comentário no Sítio do Grupo de Contratos Públicos do CIDP.
[3] Analisei este assunto e referenciei importante doutrina no texto publicado aqui no meu website