SANÇÕES CONTRATUAIS EM CENÁRIO DE PANDEMIA
- José Carlos Marques Durão
- 13 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de fev. de 2022
Aproximam-se dias que poderão ser difíceis para atividade dos operadores económicos decorrente da pandemia do coronavírus – COVID 19. A redução poderá ser substancial e ter impactos imediatos nas obrigações contratuais assumidas perante os contraentes públicos.
O risco existe, e o agravamento da situação porá em causa a regra do art.º 288.º do CCP: “(…) incumbe ao cocontratante a exata e pontual execução das prestações contratuais, em cumprimento do convencionado (…) “ .
Um eventual incumprimento contratual deverá ser objeto da melhor ponderação, salvaguardando o interesse público e protegendo os contraentes privados de medidas injustas e desadequadas.
O contraente público pode, conforme previsto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 329.º do CCP, resolver o contrato e aplicar sanções pecuniárias, em caso de incumprimento pelo cocontratante.
Mas, como defende a doutrina, é um poder discricionário (1) (2), a aplicação de sanções não é uma inevitabilidade absoluta, a decisão deve estar ancorada em adequada avaliação casuística, caso contrário poderá ter um efeito prejudicial, lesivo do interesse público. É que aplicar sanções pode conduzir ao agravamento das condições financeiras do cocontratante e culminar na resolução – que extingue o contrato, nos termos do art.º 330.º do CCP. (3) (4)
Relativamente à aplicação da resolução sancionatória do contrato administrativo, Pedro Gonçalves equaciona o seu afastamento quando esteja em causa, nomeadamente, obrigações contratuais menores ou não essenciais, eventualmente até essenciais. Refere, o ilustre Professor de Coimbra: “Distinção obrigações essenciais das não essenciais faz-se em concreto, considerando os termos e as especificidades de cada contrato. Exemplo, a obrigação de cumprir dentro de determinado prazo pode ser essencial ou não”. (5)
Julgo que o mesmo raciocínio é válido para a sanção pecuniária e levará a boas decisões, norteado pelo principio da proporcionalidade, segundo o qual, nas palavras do Prof. Miguel Assis Raimundo e João Martins Claro: “(…) as posições jurídicas dos particulares com os quais a Administração se relaciona só devem ser afetados de forma necessária, adequada e equilibrada face ao interesse público que se pretende fazer valer.”. (6)
A degradação da situação epidemiológica é suscetível de fragilizar o equilíbrio contratual, colocando os cocontratantes num contexto de incumprimento “forçado”, de imputabilidade reduzida. Neste cenário, não aplicar ou reduzir as sanções poderá ser a melhor decisão para as entidades adjudicantes e operadores económicos, evita-se efeitos nocivos para todos, e promove-se a defesa do superior interesse nacional.
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(1) Cfr. o texto: “A aplicação e redução de multas contratuais no contrato de empreitada de obras públicas”, da autoria de Miguel Assis Raimundo e João Martins Claro, In: Cadernos de Justiça Administrativa. - Braga: CEJUR - Centro de Estudos Jurídicos do Minho, N.º 112 (jul.-ago. 2015), p. 28.
(2) Uma posição diferente (e alvo de muita crítica) no Acórdão do TCAS, de 06-10-2016, Processo: 13057/16, em que é referido: “(…) não é correto entender que a efetivação da sanção contratual por parte do Estado e das demais entidades públicas é uma mera faculdade. O “pode” do artigo 329º do Código dos Contratos Públicos tem um sentido autorizativo e criador de um dever legal; e não o sentido de estabelecer uma faculdade, um poder discricionário.”.
(3) Sobre este aspeto vide: Pedro Matias Pereira, “BOM SENSO E CONTENÇÃO NA APLICAÇÃO DE SANÇÕES CONTRATUAIS”, publicado em 28 de março de 2016, na edição online do jornal “Construir”, no endereço: https://www.construir.pt/2016/03/28/bom-senso-e-contencao-na-aplicacao-de-sancoes-contratuais/
Cfr., igualmente: Suheil Salém, in “O poder sancionatório contratual como instrumento de gestão de contratos administrativos”, Tese Mestrado, 2017, p. 39 a 41, Universidade Católica Portuguesa, disponível, no endereço: http://hdl.handle.net/10400.14/23322
(4) A extinção do contrato deverá ser a solução derradeira a tomar, e desde que estejam preenchidos os pressupostos da resolução por incumprimento. Em linha, note-se, com a mais rica e profícua doutrina. Ouçamos os mestres: “A resolução do contrato, para defesa do interesse público, deverá ser a última medida a tomar. Assume um carácter excecional e constitui a última ratio “ - Cfr. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2001, pág. 647. Em sentido convergente: CARLA AMADO GOMES, “A conformação da relação contratual no Código dos Contratos Públicos”, in Estudos de Contratação Pública – I, pág. 553. Também, PEDRO GONÇALVES, “Cumprimento e Incumprimento do Contrato Administrativo”, in Estudos da Contratação Pública, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, p. 616. Igualmente, Miguel Assis Raimundo e João Martins Claro, in “A aplicação e redução de multas contratuais no contrato de empreitada de obras públicas” -Cadernos de Justiça Administrativa. - Braga: CEJUR - Centro de Estudos Jurídicos do Minho, N.º 112 (jul.-ago. 2015).
(5) Cfr. PEDRO GONÇALVES, “Cumprimento e Incumprimento do Contrato Administrativo”, in Estudos da Contratação Pública, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, pp. 611 e 612 e nota 79.
(6) Cfr. “A aplicação e redução de multas contratuais no contrato de empreitada de obras públicas”, da autoria de Miguel Assis Raimundo e João Martins Claro, In: Cadernos de Justiça Administrativa. - Braga: CEJUR - Centro de Estudos Jurídicos do Minho, N.º 112 (jul.-ago. 2015), p. 28.