ALTERNATIVA À ARBITRAGEM PARA RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS NOS CONTRATOS PÚBLICOS
- José Carlos Marques Durão
- 13 de fev. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de jun. de 2022
Dois vizinhos zangados, de costas voltadas há 15 anos. O padre da aldeia juntou-os à mesa e eles fizeram as pazes. Uma história comovente que ouvi há dias numa viagem de comboio para Lisboa e que serve de inspiração para o que escrevo a seguir.
A litigância relativa aos contratos públicos contribui para o significativo movimento processual nos tribunais administrativos. Recorrendo a dados constantes no relatório anual do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), referente ao ano de 2020, verifica-se que a taxa de “congestão processual” no contencioso administrativo cifrou-se em 201,23%. (1) De acordo ainda com o veiculado no relatório: “Nos tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância, a duração média dos processos findos no contencioso administrativo, apurada a 31 de dezembro de 2020, foi de 31 meses.” (2) Valores que estão em linha com os elementos estatísticos divulgados pela Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ). (3)
Sublinho, igualmente, que os dados se cingem ao movimento na 1.ª instância. O eventual arrastamento dos processos até ao topo dos tribunais administrativos leva a que as decisões judiciais sejam proferidas vários anos depois.
Apesar do recurso à arbitragem, previsto desde 2017, no art.º 476.º do CCP, e da criação, em 2019, dos juízos de competência especializada, designadamente, em matéria de contratos públicos, ex vi art.º 9.º, n.º 5, alínea c), do ETAF, (4) os tribunais continuam muito sobrecarregados, o que dificulta que se tomem boas e rápidas decisões.
A mediação amigável pode ser uma via com vantagens para as partes. Em França, por exemplo, existe os “comités consultatifs de règlement amiable des différends”. Estão previstos no Article R 2197-1 du Code de la Commande Publique. De acordo com o previsto nesta norma do CCP francês, os comités são órgãos consultivos que têm a função de procurar elementos jurídicos ou fáticos com vista a propor uma solução amigável e equitativa dos conflitos relativos à execução dos contratos. Como refere a Direction des Affaires Juridiques: “Eles não são tribunais nem órgãos de arbitragem: eles emitem opiniões que as partes são livres para seguir ou não. Os comitês são uma alternativa eficaz ao litígio, muitas vezes demorado e caro, tanto para a empresa quanto para o comprador.”. (5)
E quanto à eficácia dos sobreditos Comités Consultatifs os indicadores são muito positivos. Os pareceres, as opiniões que emitem, são seguidos pelas partes em litígio numa média (na década de 2000) superior a 90% dos casos. (6) Isto ajuda a diminuir o contencioso nos contratos públicos.
Não propugno a extinção do que existe, antes defendo o reforço de meios, mais alternativas. Do estrangeiro pode vir uma ajuda. O que suscitei atrás tem provas dadas de sucesso naquele país, como vimos. Em Portugal o atual cenário de engarrafamento processual é nocivo. E não ficarei surpreendido se os números de processos contenciosos dispararem num futuro breve, no âmbito da aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
A propósito, sobre este tema que trago hoje aqui à colação, recentemente um dos nomes maiores do Direito Administrativo em Portugal (Prof. Mário Aroso de Almeida) sustentava precisamente outros caminhos alternativos que evitem os tribunais. Outras soluções que podem passar pela criação de mecanismos extrajudiciais. Apontou, designadamente, o exemplo de Espanha. (7)
A meu ver não é apenas os aspetos legislativos que necessitam de melhorias. Mais fatores propiciam o incremento de disputas judiciais: a qualidade das peças do procedimento por vezes é baixa; por outro lado, é frequente propostas de concorrentes com falhas graves e não há remédio que as salve.
Por isso, caros leitores, as minhas derradeiras palavras dirijo-as aos operadores económicos. Àqueles que apresentam propostas nos procedimentos adjudicatórios. Deixo-lhes cinco conselhos:
1.º - Todos os dias ler os anúncios dos concursos. (8)
2.º Aceder logo às peças do procedimento (programa do concurso e caderno de encargos). (9)
3.º Verificar no regulamento do procedimento (programa do procedimento) quais são os documentos/elementos que devem instruir a proposta, forma de apresentação e prazos. (10)
4.º Solicitar esclarecimentos, se existirem dúvidas sobre o conteúdo das peças do procedimento. (11)
5.º Iniciar cedo a preparação da proposta. (12)
E, assim, também os operadores económicos podem contribuir para um clima mais pacífico e com menos litigância na contratação pública.
(1) Cfr. Relatório Anual de 2020, do CSTAF, pág. 62, disponível no endereço: http://www.cstaf.pt/index.php?topic=rel_anual
(2) Ibid., p. 62.
(3) Cfr. Informação n.º 76, junho 2021, pág. 4 - “ESTATÍSTICAS DA JUSTIÇA – PRIMEIROS RESULTADOS MOVIMENTO PROCESSUAL NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS DE 1.ª INSTÂNCIA (2015-2020)”, disponível no endereço: https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Biblioteca-de-destaques.aspx
(4) Entraram em funcionamento no dia 1 de setembro de 2020, nos termos da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio.
(5) Cfr. no portal da Direction des Affaires juridiques du ministère de l'Economie, prestigiada entidade na dependência do Ministério da Economia e Finanças. Presta apoio aos operadores jurídicos, nomeadamente, no domínio dos contratos públicos.
(6) Cfr. “Les recours administratifs préalables obligatoires”, Étude adoptée par l'Assemblée générale du Conseil d'État le 29 mai 2008, p. 95., disponível no endereço: https://www.conseil-etat.fr/publications-colloques/etudes/les-recours-administratifs-prealables-obligatoires-rapo
(7) Intervenção na conferência “AS MEDIDAS ESPECIAIS DE CONTRATAÇÃO E A REVISÃO DO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS DE 2021”, realizada no dia 8 de novembro de 2021, organizada pelo Conselho Regional da Madeira da Ordem dos Advogados e pelo Instituto das Ciências Jurídico – Políticas da FDUL – Cfr. no vídeo da palestra, a partir das 8:14:45, disponível no endereço: https://youtu.be/ueUuneQOKUo
(8) Publicados no Diário da República, II Série, parte L – Contratos Públicos, disponível online de forma universal e gratuita, no endereço: www.dre.pt
(9) Disponibilizadas na plataforma eletrónica de contratação pública, de forma livre, completa e gratuita, a partir da data da publicação do respetivo anúncio, tal como exige o n.º 1 do art.º 133.º do CCP. Algumas entidades adjudicantes também as disponibilizam nos seus websites.
(10) Note-se que as entidades adjudicantes devem indicar no programa do procedimento essa informação aos interessados, tal como previsto no art.º 132.º do CCP.
(11) Cfr. art.º 50.º do CCP.
(12) Existindo possibilidade de pedir a prorrogação do prazo fixado para apresentação das propostas, se tal se justificar, nos termos do n.º 4 do art.º 64.º do CCP.
PARA CITAR O ARTIGO:
“Alternativa à arbitragem para resolução de litígios nos contratos públicos” - DURÃO, José Carlos Marques, publicado em 13 de fevereiro de 2022, disponível no endereço: https://mjosecarlos.wixsite.com/meusite