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A SANÇÃO PECUNIÁRIA POR INCUMPRIMENTO DA CLÁUSULA STANDSTILL

  • Foto do escritor: José Carlos Marques Durão
    José Carlos Marques Durão
  • 9 de ago. de 2019
  • 7 min de leitura

Atualizado: 19 de abr. de 2020

A outorga do contrato ou o início da sua execução não deve ter lugar antes de decorridos 10 dias contados da data da notificação da decisão de adjudicação a todos os concorrentes, conforme previsto, respetivamente, na alínea a) n.º 1 do art.º 104.º e n.º 3 do art.º 95.º, ambos do Código dos Contratos Públicos (CCP). (1)


Esta regra, denominada de cláusula standstill, que obriga a entidade adjudicante a suspender a assinatura e execução do contrato durante um determinado prazo, visa garantir, aos concorrentes vencidos no procedimento adjudicatório e interessados no contrato, a utilização dos meios impugnatórios contenciosos. (2)


A violação da cláusula standstill conduz à ineficácia do contrato celebrado, nos termos da alínea b) n.º 5 do art.º 287.º do CCP. Esta privação dos efeitos do contrato pode ser afastada por decisão judicial ou arbitral, com base nos fundamentos previstos no n.º 4 do artigo 283.º do CCP. Neste caso, serão impostas sanções: a redução da duração do contrato, ou uma sanção pecuniária de montante inferior ou igual ao preço contratual, conforme previsto no n.º 7 do art.º 287.º do CCP.


A norma não estabelece quem paga e a quem é entregue o dinheiro. Ultimamente, a coberto da discricionariedade conferida, o Tribunal Central Administrativo Norte, enveredou por uma sanção pecuniária de 25 000 euros à entidade adjudicante para “compensar a perda de oportunidade” de um operador económico. (3)


Não pretendo aqui vasculhar o mérito da decisão (de difícil julgamento, como também reconheceu o tribunal), embora os pressupostos em que assentou e a forma como foram abordados não seja um assunto encerrado – é questionável o proferido naquele acórdão.


Lançando um olhar aos requisitos que devem suportar a sanção pecuniária ressalta o facto que esta deve ser “de montante inferior ou igual ao preço contratual”, como vimos na alínea b) do n.º 7 do art.º 287.º do CCP.


Deste modo, a ponderação sobre o preço contratual pesa para determinar o valor da sanção. A dimensão daquele busca-se nas circunstâncias casuísticas. O preço contratual de referência não deve ser superior à expetativa de adjudicação. Por isso, num procedimento em que a adjudicação seja por lotes apenas os que possam ser afetados pelo vício procedimental devem ser considerados. Se assim não for, corre-se o risco do valor que serve de parâmetro (preço contratual) vir a ser superior ao que seria possível na adjudicação da proposta de um concorrente. Seria inflacionar o material de ponderação e potenciar um juízo acusatório com desprezo pelo pressuposto da proporcionalidade – este, não esqueçamos, é uma exigência do legislador europeu. (4)


Todavia, com esta amplitude (igualar o preço contratual), poderá assemelhar-se a uma indemnização, situação discutível quando o caminho parece apontar unicamente na direção da punição pecuniária ao infrator, perante o disposto no n.º 2 do art.º 2.º-E da Diretiva 2007/66/CE.


Sendo uma penalização imposta ao infrator, então recai na entidade adjudicante (sobre aquele que tomou a decisão) a responsabilidade pelo incumprimento da cláusula standstill. Mas poderá a imputabilidade estender-se ao adjudicatário? Repare-se que este, na fase da adjudicação, é notificado do prazo de suspensão obrigatório, e é-lhe posteriormente comunicada a data em que ocorrerá a outorga do contrato, nos termos, respetivamente, do n.º 1 do art.º 77.º e alínea a) n.º 3 do art.º 104.º do CCP. Acresce, o facto, que um contrato administrativo não é uma união solitária, um vínculo unilateral. (5) Assim, na verdade, quem escapa ao cumprimento são ambas as partes. Forma-se um ambiente de culpa partilhada. Neste contexto, merece meditação, o facto do adjudicatário que beneficie de um ato de adjudicação ilegal poder ser alvo de um juízo de imputabilidade com consequências sancionatórias às aqui em apreço. Aparentemente, o n.º 2 do art.º 2.º-E da Diretiva 2007/66/CE, direciona somente para a entidade adjudicante; não obstante (na parte final) empurra os Estados-Membros a conferir “amplos poderes discricionários” à instância de recurso encarregue da aplicação da sanção - que em Portugal é por via de decisão judicial ou arbitral. (6)


A propósito, na Hungria, a situação foi discutida nos tribunais. O julgamento foi no sentido que a sanção alternativa é imposta à entidade adjudicante, não havendo lugar para aplicá-la ao cocontratante; não há possibilidade de responsabilidade conjunta e solidária (multas) contra o parceiro contratual. Defendeu, que tal pode deduzir-se, nomeadamente, do âmbito subjetivo da diretiva comunitária. (7) Apesar do preconizado, com similitudes neste domínio, foi apresentado no Tribunal de Justiça, no dia 28 de março de 2019, um pedido de decisão prejudicial, Processo C-263/19. (8)


A situação também é pertinente quanto à possibilidade de cumular as duas sanções: redução da duração do contrato e sanção pecuniária. Claramente, a previsão do n.º 7 do art.º 287.º do CCP, é a via alternativa. Porém, “escolher” uma ou outra não é a mesma coisa, têm impactos dissemelhantes. A redução mexe no objeto que satisfaz o interesse público e castiga o cocontratante; a sanção pecuniária penaliza a entidade adjudicante.


Face a isto - considerando a obrigatoriedade de aplicar as sanções - que legitimidade existe de fixar as duas? Em Itália, como veremos a seguir, a modalidade adotada permite a cumulação das sanções.


A meu ver, a determinação da sanção, quem tem que a suportar e qual o seu destino, justificava a intervenção do legislador português de uma forma mais assertiva. Incumbência dada, insisto, no considerando (19) da Diretiva 2007/66/CE: “Compete aos Estados-Membros determinar as modalidades das sanções alternativas e as respectivas regras de aplicação.”.


Em Itália, por exemplo, está previsto na alínea a) n.º 1 do art.º 123.º do Codice del Processo Amministrativo (CPA), uma multa fixada com base numa percentagem de 0,5 % a 5% do preço contratual, sendo o respetivo montante entregue ao Estado – indo ao pormenor de indicar o capítulo do Orçamento onde é imputado. O referido artigo estabelece ainda outras regras relativas à sanção, v.g., prazo pagamento, e no n.º 2, um dado interessante a valorizar na determinação da sanção: o trabalho realizado pela entidade adjudicante para eliminar ou atenuar as consequências da violação. (curioso – vem à memória as medidas self-cleaning dos impedimentos). (9)


Já em França, relativamente à violação da cláusula standstill - prevista no artigo R. 2182-1 Code de la Commande Publique (CCP) (10) - o valor da sanção financeira não pode ultrapassar 20% e o destino é igualmente os cofres do Estado, nos termos do art.º L 551-20 e art.º L 551-22 do Code de Justice Administrative. (11) E, onde, no início do ano, o Tribunal impôs uma sanção pecuniária, igualmente de 20 000 euros, a uma entidade adjudicante que não respeitou o prazo de suspensão para assinatura do contrato. (12)


Na Finlândia o valor da penalidade não pode exceder 10% do valor do contrato – a pagar ao Estado -, e tem uma regra que define a quem é imputada a sanção no âmbito da contratação centralizada, ex vi, art.º 158.º e art.º 160.º, da Lei sobre Compras Públicas e Concessões. (13)


Regressemos a Portugal. O disposto no nosso ordenamento: “sanção pecuniária de montante inferior ou igual ao preço contratual” - dito desta forma e em meia dúzia de palavras -, foge ao plasmado na “Diretiva Recursos”; exige um juiz criativo, atirando-o para os terrenos da Assembleia, e a ter que fazer uso do direito que ele próprio molda; somem-se as condições para realizar a “acostumada justiça” – solta-se a ameaça da conformidade constitucional.


Assim, na parte relativa à sanção pecuniária, a norma do art.º 287.º do CCP é curta, insuficiente – pode e deve ser mais expressiva para que possa ser aplicada com a segurança jurídica adequada, dentro dos muros da legalidade. (14) O rumo de iure condendo deverá ser outro, porventura, olhando para o estrangeiro, para melhores práticas, crescidas em terrenos mais pisados.


Mas, em tudo isto, a reter pelas as entidades adjudicantes, algo sério emerge. A assinatura e execução prematura do contrato tem um preço que poderá ser alto - e cujos protagonistas, os que praticam concretamente o ato, estão expostos ao regime da responsabilidade financeira correspondente. (15)



(1) Sem prejuízo das exceções contidas no n.º 4 do art.º 95.º e n.º 2 do art.º 104.º do CCP.


(2) Cfr. Considerando (17), o n.º 3 do art.º 1.º e alínea b) n.º 1 do art.º 2.º-D, da Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, disponível:


(3) Acórdão do TCAN, de 29/03/2019, Processo: 01992/16.3BEPRT (Relator: Helena Canelas) - http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/00f95752db978d8080258407004d1a6d?OpenDocument


Acórdão do TCAN, de 09/06/2017, Processo: 01992/16.3BEPRT (Relator: Joaquim Cruzeiro) - http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/06B5600A5E964329802581AD005323DA


(4) Cfr. n.º 2 do art.º 2.º-E da Diretiva 2007/66/CE.


(5) Cfr. n.º 1 do art.º 280.º do CCP. Sem esquecer também os princípios fundamentais da execução contratual consagrados no art.º 286.º do CCP – boa-fé e interesse público.


(6) Também, a menção, in fine, considerando 19, da Diretiva 2007/66/CE, de que a determinação da modalidade da sanção e regras de aplicação fica a cargo dos Estados-Membros.


(7) Acórdão do Tribunal Geral de Eger, 2.Gf.20.233 / 2017/6, de 30 de novembro de 2017 – Disponível no Portal da Autoridade de Contratação Pública - https://www.kozbeszerzes.hu/ertesito/2018/34/megtekint/portal_2774_2018/


Acórdão do Tribunal Geral de Eger, 2.Gf.20.274 / 2017/4 – Disponível no Portal da Autoridade de Contratação Pública


(8) Cfr. Jornal Oficial da União Europeia, C 206/32, de 17/06/2019 - https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62019CN0263


(9) Cfr. art.º 123.º do CPA – disponível no endereço:



(10) Cfr. CCP no endereço:





(12) Conseil d'État, 25 janvier 2019, n.º 423159 – Disponível em:



(13) Lei n.º 1397, de 29-12-2016, que implementou no ordenamento jurídico daquele país nórdico a Diretiva 2014/24/UE, Diretiva 2014/23/UE, Diretiva 89/665/CEE e Diretiva 2007/66 /CE. - https://www.finlex.fi/fi/laki/


(14) Na promoção do desejável – nem sempre fácil - equilíbrio entre legalidade e segurança jurídica no direito da EU. (Sobre o tema o interessante discurso do Professor José Luís da Cruz Vilaça “Legalidade e segurança jurídica no direito europeu e direito comparado”, proferido no Conseil d'État, em França, no dia 16 novembro de 2018.




(15) O sinal está dado e acompanha o posicionamento do legislador europeu: as sanções devem ser efetivas e dissuasivas - n.º 2 do art.º 2.º-E da Diretiva 2007/66/CE.

 
 
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