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A CONSULTA PRÉVIA E AS PLATAFORMAS ELETRÓNICAS

  • Foto do escritor: José Carlos Marques Durão
    José Carlos Marques Durão
  • 7 de nov. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 24 de fev. de 2022

Relacionado com o tema escrevi há oito anos um texto com o título O AJUSTE DIRETO E AS PLATAFORMAS ELETRÓNICAS. (1) Hoje, porque mantém-se a atualidade, volto novamente ao assunto.


A consulta prévia é um parente próximo do ajuste direto (muito polemizado e velho conhecido da contratação pública). Porém, é um erro tratar aquela da forma como se encara este. A razão é simplesmente porque são diferentes e num aspeto decisivo: o ajuste direto é uma compra a um operador económico previamente escolhido; na consulta prévia a aquisição é atribuída ao vencedor de uma competição em que pelo menos participam três operadores económicos.


Apesar da diferença que distingue os dois procedimentos adjudicatórios o legislador oferece a possibilidade da apresentação das propostas fora das plataformas eletrónicas. Exige apenas que a apresentação seja feita através de um meio de transmissão eletrónica de dados – Cfr. n.º 1 do art.º 62.º e alínea g), n.º 1, do art.º 115.º do CCP.


No texto que publiquei em 2012 critiquei a solução jurídica então adotada, pelo facto dos recursos na altura existentes ao nível das comunicações eletrónicas - fax e o correio eletrónico (e-mail) – não constituíam, em detrimento da plataforma eletrónica, meios idóneos.


Atualmente a situação é similar, face ao disposto no CCP e atendendo aos meios eletrónicos disponíveis. Permanece, por isso, o meu dissídio.


O legislador preocupou-se em criar um regime expedito, amigo da desburocratização, agilizar a tramitação do procedimento, traçado para facilitar as pequenas compras envolvendo operadores económicos e entidades adjudicantes com recursos mais escassos (visitemos algumas freguesias do interior e saímos de lá com respostas convincentes). Nesta perspetiva, em certa medida, compreende-se a generosidade (em linha com as Diretivas de 2014 e que a revisão do CCP em 2017 acolheu) para evitar que a atividade administrativa encalhe e o interesse público não seja satisfeito. Mas há riscos cujos perigos não foram curialmente acutelados pelo legislador nacional - o mesmo que sinaliza a corrupção como um dos males que deve ser banido.


Repiso nas palavras do comentário que fiz em 2017 sobre o assunto, em que disse, designadamente: “(…) o fax e o correio eletrónico, por exemplo, não são meios seguros, existe a possibilidade de fuga de informação, o júri e outras pessoas podem ter conhecimento das propostas em data anterior à prevista para apresentação destas.

A situação assume contornos de maior preocupação se for escolhida a consulta prévia ao abrigo do art.º 27.º – A, em que o valor do contrato pode suplantar várias vezes o inerente ao concurso público com publicidade internacional, isto considerando que ao abrigo dos critérios materiais a escolha é feita independentemente do valor (salvo algumas exceções).


(…) constata-se tanto no CCP como nas Diretivas ao maior valor do contrato está associada uma maior exigência procedimental, seguramente por razões de transparência, igualdade e concorrência, por isso um procedimento (consulta prévia) também ele de natureza concorrencial (mitigada é certo, mas concorrencial, insistimos) cujo valor do contrato poderá ser significativo, deverá merecer por parte das entidades adjudicantes adequada ponderação e uma decisão inclinada para a utilização da plataforma eletrónica. “. (2)


A ausência de um ambiente tecnológico seguro pode transformar-se (perdoe-se o plebeísmo) num saco transparente em que tudo o que metem dentro dele é visível e decifrável. É necessário, por isso, utilizar meios mais protetores do acesso ao conteúdo das propostas apresentadas, para que o conhecimento só deva ocorrer no dia da abertura fixado no regulamento do procedimento (convite).


Na verdade, esconder a proposta de olhares prematuros é conduta fiável para assegurar o cumprimento dos princípios da transparência, imparcialidade e da concorrência, aplicáveis à contratação pública, ex vi do art.º 1.º-A do CCP.


Julgo que seria vantajoso corrigir o regime do CCP nesta matéria. Mas tal cenário não retira às entidades adjudicantes o dever de adotarem as melhores práticas de harmonia com os princípios que chamei à colação. (3)


Disse-o no passado, reitero agora, que um procedimento adjudicatório de natureza concorrencial (consulta prévia é um destes), (4) em que o valor do contrato é relevante - especialmente quando a escolha do procedimento assenta em critérios materiais -, deve ser realizado numa plataforma eletrónica que obedeça às regras, requisitos e especificações técnicas previstos na Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto. (5)


Já quanto ao ajuste direto, em que é convidado apenas um operador económico (vide n.º 2 do art.º 112.º do CCP), julgo adequado a utilização de outros meios eletrónicos, v.g. fax ou e-mail, com os argumentos que então defendi - Cfr. n.º 14, O AJUSTE DIRETO E AS PLATAFORMAS ELETRÓNICAS , texto em que abordei o assunto. (6)


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(3) Sujeitar a consulta prévia à contratação eletrónica foi objeto de alusão por parte do Professor Rui Medeiros, que referiu: “(…) o legislador da reforma não fica dispensado, se quiser levar a sério o objetivo de promover por esta via um mercado mais concorrencial, de lançar mão de outros instrumentos que permitam combater eventuais práticas fraudulentas. Pense-se, por exemplo, na extensão da contratação eletrónica a estes procedimentos – com o acréscimo de transparência daí adveniente (…) “, Cfr. p. 219, in ALGUNS DESAFIOS EM SEDE DE REFORMA LEGAL DO REGIME INSTRUMENTAL DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA PORTUGUÊS”.


(4) Em França optou-se pelo valor do contrato (25 000 €) a partir do qual a utilização da plataforma eletrónica é obrigatória. Não se centra no tipo de procedimento adjudicatório como em Portugal, situação esta mais nociva pelo facto (como vimos) da consulta prévia poder ser escolhida em função de critérios materiais.


(5) E em conformidade com o art.º 22.º da Diretiva 2014/24/UE e Regulamento (UE) N.º 910/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014.

(6) Sobre as vantagens do ajuste direto poder tramitar fora da plataforma eletrónica, as observações efetuadas por João Amaral e Almeida e Pedro Fernández Sánchez, no parágrafo 69 a 73, dos "Comentários ao Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos (Agosto 2016) - Regime da Contratação Pública”.

 
 
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