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CONTRATOS EM DIFICULDADES, URGE SALVÁ-LOS

  • Foto do escritor: José Carlos Marques Durão
    José Carlos Marques Durão
  • 26 de abr. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 24 de fev. de 2022

Observo um homem que caminha sobre uma fina corda. Leva nas mãos uma vara que tomba ligeiramente para a esquerda e para a direita. Não para, continua a dar passos em frente. Baloiça, mas não cai, permanece direito. E mais passos, não recua, sempre com a vara, paralela ao peito, na horizontal, como se fosse uma balança com pesos iguais nos pratos.


Tal como aquele homem, também os contratos necessitam de equilíbrio para chegarem ao fim. Se ficarem pelo caminho não é bom para as partes, não é bom para o interesse público. Perdemos todos.


Erguem paredes de hospitais, constroem as estradas onde viajamos, levantam os edifícios onde se trabalha, estuda, dorme…., e tantos outros trabalhos necessários à sociedade. Falo dos empreiteiros de obras públicas. É preciso não esquecer estes laboriosos colaboradores do Estado.


Vou recuar meio século, ao dia 16 de Setembro de 1967. Nesta data foi publicado o Decreto-Lei n.º 47 945. Este ato legislativo consagrou pela primeira vez a revisão dos preços contratuais das empreitadas e fornecimentos de obras públicas. A explicação é dada no preâmbulo do diploma. Degradação das condições económicas resultante das guerras mundiais que eclodiram em 1914 e 1939; dificuldades inauditas sentidas pelos adjudicatários de obras públicas na execução dos contratos. Foram estes os motivos que levaram o Governo a decretar.


Em tais condições, até aquele verão de 67, só à custa de medidas extraordinárias, com a intervenção dos governos e a bem da nação, era possível aguentar um contrato. Vigorava o Decreto de 9 de Maio de 1906, que tinha só isto cravado no art.º 71.º: “O empreiteiro não terá direito a reclamar nem a receber qualquer indemnização, ou aumento no preço da sua empreitada, pela elevação do preço dos jornais ou dos materiais que sobrevier na localidade, no decorrer da execução dos trabalhos da mesma empreitada”. (1)


De tirar o sono até aos mais valentes, sem dúvida.


O país retomará a atividade económica. Como irá evoluir e comportar-se o mercado. A mão-de-obra, matérias-primas, que disponibilidade existirá. Que agravamentos poderão ter os preços. Tudo isto são legítimas interrogações e fonte de preocupação para quem tem que executar contratos. Um fardo que pode ser pesado, insuportável.


Apesar de alguns remédios que podem ser acionados, designadamente, os contidos no Código dos Contratos Públicos (CCP), será que são suficientes? Na sexta-feira, na conferência “Contratação Pública e Justiça Administrativa no Estado de Emergência” (2) o Professor Pedro Gonçalves, evocou o passado, as guerras, na origem da revisão dos preços, e notou que o atual regime do CCP, previsto para a modificação dos contratos, não está preparado para responder ao impacto derivado das circunstâncias da pandemia, está talhado para outro tipo de situações. Deixou implicitamente no ar a ideia da necessidade de ação do legislador.


Abro um parêntesis para salientar que as linhas que vou discorrendo foram inspiradas na portentosa palestra proferida pelo Professor Pedro Gonçalves, na referida conferência, que teve igualmente a participação altíssima de outros dois prestigiados lentes da nobilíssima Faculdade de Direito da Universidade Coimbra: Licínio Lopes Martins e Bernardo Azevedo.


A crise sanitária vai deixar marcas. Com o aumento da procura, mão-de-obra e materiais poderão vir a escassear, clima fértil para subida dos preços. Mas a mera atualização dos preços pode não chegar. É um cenário credível - assim foi no passado. E o rombo poderá ser muito significativo na execução dos contratos.


São vetustos os acontecimentos recordados, mas não os julguem enferrujados. A história repete-se. Está aí viva e atual. A COVID-19 confirma-o. Doença que também atingiu os contratos. Muitos vacilam. Só cuidados especiais os podem manter vivos. Urge salvá-los.

_________________

(1) Com apoio no Código Civil (de 1867), no Art. 1401.° “ O empreiteiro, que se encarregar de executar planta, desenho ou descripção de qualquer obra, por preço determinado, não terá direito de exigir mais cousa alguma, ainda que o preço dos materiaes ou dos jornaes augmente, e ainda que se tenha feito alguma alteração na obra, em relação á planta, ao desenho ou á descripção, se essa alteração e o custo d'ella não foram convencionados por escripto com o dono da obra.”


(2) Organizada pelo CEDIPRE e transmitido via internet, disponível no endereço: https://www.youtube.com/watch?v=Kdveck-ue3k

 
 
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